Internet
Meu primeiro computador pessoal
Autor: Julio Daio Borges
"Eu não lembro porque, de repente, quis um computador pessoal
em
1985. Porque, talvez, desde 1983, o videogame já estivesse
presente em nossas vidas, minha e do meu irmão (minha
irmã nunca se interessou muito). Na minha cabeça,
deveria
ser algo como um videogame mais sofisticado – e meus pais
devem
ter percebido esse meu anseio, porque eu e meu irmão
ganhamos,
no Natal daquele ano, nosso primeiro computador pessoal: um Apple II+,
fabricado aqui, no Brasil, pela Unitron.
Eu lembro também que, nessa época, o computador
pessoal
estava em todo lugar – como uma novidade. Em 1985,
não
havia lojas de informática (não havia nem a
palavra), mas
havia as lojas de “cine, foto & som”, como
a
Áudio e a Fotoptica. Eu lembro ainda de
“namorar”
computadores pessoais no extinto Mappin. Outras lojas de
eletrodomésticos, como a G. Aronson, deviam
também
comercializar, porque o nosso videogame, por exemplo, estava sempre
associado a eletrônicos e a televisores em geral.
Meu interesse, modesto, era, inicialmente, por um TK 85. O TK 85
equivaleria a o quê hoje? Não sei dizer. Depois
meu
interesse se voltou para um CP 400 e, logo a seguir, para um CP 500.
Era aquele tipo de computador que tinha o teclado, o monitor e
provavelmente o disk drive integrado numa só
peça.
Decorativamente falando, devia ser horroroso, mas eu achava o
máximo (e olha que nem existia essa expressão).
Penso que
o Papai anunciou, em algum momento, que nós
ganharíamos
um Unitron, mas quando efetivamente ganhamos eu não sabia
nada
sobre aquela máquina (nunca tinha visto) – e
fiquei
encafifado...
Lembro que, naquele Natal, fomos assistir à missa do galo e
eu,
por alguma razão, tive de voltar ao carro e – sem
querer
ou querendo – abri o porta-malas e espiei o computador que,
à meia-noite, ganharíamos, eu e meu
irmão. Um
monte de caixas. Depois, transportamos e embalamos – num saco
de
Natal, de Papai Noel? – para a minha irmã, ainda
menina,
não desconfiar de nada...
Na noite mesma do Natal, eu abri as caixas, desembalei tudo e empilhei
as peças do computador – sem entender ainda
direito como
elas se interconectavam –, com a ajuda do meu
irmão.
Existem, inclusive, fotos de mim ao lado da máquina (se eu
encontrar, prometo que levo ao ar...). Passava o Natal conosco o futuro
marido de uma prima, que sempre me falava no programa
“Lotus”, então pedi a ele que nos
ajudasse a ligar.
Ele não sabia.
Passamos o dia seguinte tentando encontrar uma
combinação
possível de cabos, portas de entrada &
saída, e
peças que funcionassem. Não havia manual.
Ligávamos a CPU, ela dava boot no disk drive, que parecia um
pássaro cacarejando, com a luz vermelha sempre piscando...
Ligávamos o vídeo, ou
“monitor”, mas, na
tela, nada aparecia. Demoramos um certo tempo para descobrir, por
exemplo, que havia um “disco de
inicialização”, que o computador lia, e
então, só assim, as coisas aconteciam...
Não era como o videogame que você ligava e
já
aparecia uma tela de apresentação, com
opções. Você enfiava um cartucho e o
jogo
começava a funcionar. Os comandos eram poucos, e
básicos.
Manuais. No computador, não: o computador era uma
máquina
programável – a primeira de nossas vidas
–
então, imagine, as possibilidades eram infinitas... Mas
nós, claro, não sabíamos.
Depois de descobrirmos o disco de inicialização,
nossa
vida ficou mais fácil. Vinha junto um livro – que
acho que
guardo até hoje – e ele ensinava alguns comandos
bem
gerais. Na capa se lia “Basic”. Foi uma festa
quando
descobrimos a instrução
“catalog”, que
listava o que havia no disco em questão. Descobrimos, da
mesma
forma, a instrução “run”,
para executar um
arquivo. E, depois de muitas tentativas, a “brun”,
para
executar programas escritos em código de máquina.
Nessa
altura, já rodávamos uma
aplicação para
música e um programinha tipo Windows Explorer (sic): bastava
digitar “run aux” e apertar
“return”.
Devorei nas semanas – ou nos meses – seguintes o
livro de
Basic, da Unitron. Foi meu primeiro curso de
programação.
Eu escrevia programinhas básicos, claro, para mostrar
palavras
na tela, para trabalhar com as posições dos
caracteres no
monitor. No shopping, na Siciliano, descobri, lá no fundo,
outros livros de programação, com programas de
jogos. Eu
e o meu irmão jogávamos. Eram jogos em texto,
onde o
computador praticamente “conversava” com
você. Do
videogame, que era gráfico, para o computador, que era puro
texto, foi um downgrade considerável em termos de
apresentação, mas nós nem
ligávamos.
Lembro de um aniversário em que eu passei, de
manhã
até a tarde, programando para meus amigos, que seriam
convidados. O computador perguntava o nome da pessoa e, em seguida,
brincava com as letras, com as sílabas, fazendo-as
dançar, juntando em blocos, subindo e descendo, enchendo e
esvaziando a tela... mais para frente, fazia umas perguntas bobas e
dava algumas respostas engraçadas. Meus amigos se divertiam
e
davam risadas.
Foi uma revelação quando eu e meu
irmão
descobrimos que poderíamos gravar os nossos programas em
disco.
(E eu devo ter ainda alguns desses programas... Será que os
disquetes ainda funcionam?) Agora não era mais preciso
passar o
dia inteiro digitando o programa, para ele rodar na memória,
e
se perder para sempre no escaninho do computador, quando nós
o
desligássemos... – agora poderíamos
gravar e
continuar no dia seguinte. Estávamos descobrindo o fogo, eu
e
meu irmão.
Comecei a comprar, nas bancas, a revista Micro Sistemas e a minha maior
admiração, nessa época, era um sujeito
que tinha
doze anos (um ano a mais do que eu), chamado Eduardo Saito, e que
publicava mensalmente seus programas. Eu copiava o código e
aprendia um monte de coisas com a Micro Sistemas e com o Eduardo Saito.
Quando entrei na faculdade, em 1992, me deu um orgulho meio besta ao
observar que, junto comigo, em Mecatrônica (eu havia entrado
em
Elétrica/Computação), estava
lá... o
Eduardo Saito! Oito anos se passaram se que tivesse ouvido falar de
novo do Saito...
Na Micro Sistemas, ainda, havia anúncios de vendedores de
software. Lembre-se: não havia internet, ninguém,
da
minha idade, tinha computador... de onde nós
iríamos
tirar mais programas? Um anúncio me chamou a
atenção: “Aplicativos a
preço de
banana”. Era lá na Conchinchina. Passamos uma
tarde de
carro, para chegar no tal lugar. Antes havíamos ido
até a
Unitron, no bairro da avenida Água Fria, para ver se eles
nos
conseguiam alguns programas – mas o único que
obtivemos,
deles, foi uma aplicação para converter de
cruzeiros para
cruzados...
Então, para o Natal do outro ano, eu pedi ao Papai (Noel)
uma
porção de programas. Fui para as
férias sonhando
com aqueles programas. E voltei ainda sonhando. Eram, na maioria,
jogos. E algumas aplicações – para as
quais,
naquela idade, eu via ironicamente pouca
aplicação. Em
pleno início da adolescência, quem iria precisar
de uma
planilha – Visicalc –, por exemplo? Um dos nossos
jogos
preferidos era o Karateka, e havíamos
recém-adquirido a
sua “parte II”, ou
continuação.
O Karateka I havia sido gravado, para nós, por um bondoso
vendedor da Fotoptica, ou da Áudio, não lembro
mais.
Passávamos as tardes jogando e “passando de
fase”,
eu e meu irmão. Meu melhor amigo da escola, na
época,
também jogava o jogo na loja de sua mãe, uma
confecção na rua João Cachoeira, onde
se
precisava, igualmente, de computador. Dávamos dicas um para
o
outro, na escola, de manhã – e
jogávamos à
tarde.
Em todas as datas comemorativas, dali por diante, quando eu tinha
direito a algum presente, eu sempre escolhia alguma coisa para o
computador. Foi assim que ganhei uma expansão de
memória,
para 128 Kb, que eu mesmo instalei, uma placa CPM (para planilhas e
bases de dados!), um segundo disk drive – para copiar
disquetes
era bem mais rápido –, uma impressora e
até uma
placa para ligar na televisão e ver aquelas sete ou oito
cores
(em alta resolução, HGR), que não sei
se eram
piores ou melhores do que o preto & branco (ou o
fósforo
verde com fundo preto)...
A impressora foi um capítulo à parte. Era
caríssima – mais cara do que qualquer outra
peça do
computador. Mais cara que o próprio computador. Duas vezes
mais
cara; três vezes mais cara... Mas, num esforço por
parte
do meu Pai, nós ganhamos. Devorei, dessa vez, o manual da
impressora. Era escrito por um ex-professor do meu Pai, da engenharia
do Mackenzie...
Provavelmente dois dos programas mais sofisticados que eu desenvolvi
naquele ano – 1986 – foi um relacionado
à Copa do
Mundo e outro a uma base de dados para arquivar fitas de
vídeo
(VHS). No da Copa, a coisa funcionava como uma tabela
eletrônica,
e você ia marcando os resultados dos jogos. O programa ia
avançando nas chaves e mostrando as oitavas, depois as
quartas
de final e, por último, a final. Ele ficava triste e soltava
um
muxoxo toda vez que o Brasil perdia. No dos vídeos, eu podia
cadastrar títulos, atores, diretores (creio), ano e dar uma
“nota”. Depois imprimir relatórios,
usando os
recursos de texto da impressora. (Já fazia
crítica de
cinema e nem sabia...)
Ainda programei o computador usando a revista americana Nibble, que eu
comprava também na Siciliano. Era em inglês e eu
aprendia
sempre um pouco da língua. Via os anúncios dos
computadores originais da Apple e ficava babando... O auge da minha
interação com a revista foi adquirir um jogo, Spy
vs. Spy
II, pelo correio. Não tinha cheque, muito menos
cartão de
crédito, quanto mais internacional: enfiei uns
dólares
que havia ganho de algum parente, de aniversário ou Natal,
num
envelope, escrevi uma carta falando que não podia remeter,
do
Brasil, “checks” ou “money
orders”
(vales-postais) e... meses depois... o pacote chegou. Cheio de isopor
picado, como hoje chegam os livros da Amazon.
Meu irmão, embora não programasse, continuou
interessado
no computador – principalmente na parte de jogos e num
programa
que tínhamos para gerar trabalhos
(apresentações?)
na impressora, o Print Shop. Nossas primas gostavam muito dessa
aplicação (dos papéis de carta, dos
cartões
e tal). E, em umas férias, disputávamos tanto a
máquina com um primo que decidimos cronometrar, e alternar,
o
tempo de cada um na frente do computador. Era meia-hora para cada. Eu,
quase sempre, usava a minha meia-hora para programar.
O computador foi ficando meio de lado à medida que fomos
“crescendo”. Veio outro videogame, o Nintendo. E
veio,
principalmente, as festinhas, as matinês nas boates
– mais
notadamente na Up&Down. As meninas encabeçavam a
minha nova
lista de interesses – e eu voltei ao computador, no colegial,
meio que por causa delas... Foi por causa do Videotexto, da extinta
Telesp, “usado” e
“freqüentado” por
colegas da minha nova escola.
Seguindo a minha série de peripécias, comprei e
instalei
um modem. Não havia cabo próprio e eu tive de
soldar fio
a fio, para fazer funcionar. Compensou. Mormente por causa do Videopapo
e da Videomensagem, o Orkut da época. Nós nos
correspondíamos com meninas que conhecíamos ali
e,
às vezes, íamos encontrar no shopping.
Não deu em
nada, claro – ou, para um colega contador de vantagens,
até deu... Ele ia aos encontros do Videotexto. Roubava uma
porção de senhas e hackeava inocentemente as
caixas
postais do pessoal. Estávamos em 1990. A WWW seria inventada
em
1991, por Tim Berners-Lee. Era a internet da época.
* * *
Eu escrevi este texto porque, em abril de 2006, a Apple e o computador
pessoal fizeram 30 anos. No ano passado, eu fiz 20 anos de
programação, e de computador – mas
não tive
muito tempo para comemorar... Nem preciso dizer como toda essa
história foi central para eu ser o que sou (e quem eu sou).
Então, quando falam aquelas bobagens, de que não
existem
mais gênios hoje, eu tenho vontade de perguntar: “E
o Steve
Jobs? E o Steve Wozniak?”. Você já
pensou o que
seria do mundo, da internet, até das empresas, do Bill
Gates, do
Google, sem o computador pessoal?"
Publicado em "Digestivo Cultural"
- Sexta-feira, 20 fev 2007
Retirado de
http://www.digestivocultural.com/colunistas/coluna.asp?codigo=1911
Reproduzido com a permissão do autor
Voltar para "História do computador e da
Internet", "1970-1979".
Este "site", destinado
prioritariamente aos alunos de Fátima Conti,
segue as regras da FDL (Free Documentation Licence),
pretende auxiliar
quem esteja começando a se interessar por internet,
computadores e programas,
estando em permanente construção.
Sugestões
e comentários são bem vindos.
Se desejar colaborar,
clique aqui.
Agradeço
antecipadamente.
Deseja enviar essa página?
Se
você usa um programa de correio eletrônico
devidamente
configurado e tem
um
e-mail
pop3, clique em "Enviar página" (abaixo) para
abrir o
programa.
Preencha
o endereço do destinatário da mensagem.
E
pode acrescentar o que quiser.
(Se
não der certo, clique aqui
para saber mais).
Enviar
página
Se você usa webmail
copie o endereço abaixo
http://www.cultura.ufpa.br/dicas/net1/int-his.htm
Acesse a página do seu provedor. Abra uma nova mensagem.
Cole o endereço no campo de texto.
Preencha o endereço do destinatário.
E também pode acrescentar o que quiser.
Última alteração: 6 jan 2008